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De boas com a incerteza.

Uma das frases que eu mais ouvi este ano foi que “vivemos tempos incertos”. A sensação de incerteza em relação ao futuro aumentou com a chegada da pandemia, acentuando uma série de problemas psicológicos. Angústia, ansiedade, insegurança, medo, dúvida e sensação de paralisia foram sintomas revelados em estudos e pesquisas durante estes meses em que convivemos com uma doença sem cura e altamente contagiosa. A verdade é que no ambiente dos negócios a sensação de incerteza já vinha se acelerando por conta da digitalização da economia. É meio clichê citar a Modernidade Líquida do sociólogo Zygmunt Bauman. Mas os clichês existem porque são, de fato, baseados na realidade e senso comum. O próximo grande concorrente dos modelos tradicionais de negócios pode surgir de qualquer lugar. A chegada da pandemia foi um acelerador da economia digital. Basta ver o crescimento do e-commerce durante esse período enquanto, que para muitos negócios, representou a maior crise da história. A incerteza já era o normal antes da pandemia chegar.

Eu sou uma pessoa nascida na transição da geração X para a Y e, como toda essas duas gerações, fui ensinado a ter certezas e respostas para tudo. Cresci sendo perguntado se eu já sabia o que queria ser quando crescer, se eu já sabia dirigir, se eu sabia quantos filhos teria, se eu já sabia se iria casar cedo ou mais tarde, se eu já sabia se queria fazer intercâmbio, se eu já sabia falar inglês, se eu já sabia andar de bicicleta, se eu já sabia trocar pneu, se eu já sabia “mexer no computador”, se eu já sabia… bem, acho que deu pra entender. As gerações dos nascidos até meados dos anos 80, precisavam ter as respostas certas para os dilemas da vida e para as perguntas da sociedade. 

Foi justamente na virada dos anos 2000 que começaram a surgir mais e mais obras de autores e especialistas em dados que começaram a questionar a capacidade do ser humano de ter certeza sobre o futuro. Nate Silver, Nassim Nicholas TalebDuncan WattsPhilip Tetlock entre outros autores escreveram obras muito bem embasadas em dados provando que somos péssimos em fazer previsões. Ter certeza é muito mais uma necessidade psicológica de segurança e afirmação do que uma habilidade de quem tem visão certeira sobre o futuro, por mais argumentos e dados que essa pessoa tenha em mãos. Por isso, eu sempre desconfio de quem tem muitas certezas. Provavelmente é alguém inseguro que precisa ter certeza sobre tudo para poder seguir a vida sem encarar suas fragilidades. 

A incerteza já era o novo padrão para o mundo dos negócios. Ninguém sabia de onde iria surgir o novo Uber ou Airbnb (para ficar nos exemplos mais populares). A pandemia acentuou alguns questionamentos sem respostas prontas e também ampliou para outras esferas da nossa vida em sociedade. Agora, também temos dúvidas sobre nosso modelo de trabalho, sobre o futuro das festas e demais aglomerações, sobre como serão nossas próximas férias, as festas de final de ano, os modelos de relação com a política mais adequados ao momento e a lista segue aumentando nosso nível de angústia com tantas dúvidas novas. 

No ambiente corporativo, um livro que recomendo é “O lado difícil das situações difíceis: Como construir um negócio quando não existem respostas prontas do Ben Horowitz, que é um dos mais bem-sucedidos empreendedores do Vale do Silício. A grande lição do livro é que não podemos nos paralisar pela incerteza. Precisamos ter um plano, sempre deixando a mente aberta para revisar o plano com base em dados relevantes. A dica parece óbvia, mas tem muita gente que esquece. Muitas vezes ficamos esperando o ambiente voltar ao “normal”. Porém o que é normal são as mudanças do vento durante a travessia. Isso não significa que não vamos chegar do outro lado. O que muda é o caminho. Talvez altere o tempo da viagem. O plano detalhado, com um objetivo final claro, nunca deve sair do horizonte. 

Existem algumas habilidades úteis para melhorar nossa relação com a incerteza. Primeiro precisamos exercitar o autoconhecimento, para não deixar a falta de confiança nos levar a necessidade de ter certeza sobre tudo. Precisamos conhecer e reconhecer nossas capacidades e limitações. Assim, já temos um ponto de partida sobre nossa condição geral de executar nossos planos e onde precisamos aprender mais ou buscar ajuda.

A segunda habilidade, ou ação, é ter alguns cenários possíveis em mente. Validar nossos objetivos em diferentes possíveis cenários futuros nos ajuda muito a não fazer grandes bobagens por conta de excesso de autoconfiança. Precisamos a todo custo evitar o pensamento mágico de que as condições externas serão únicas e perfeitas. A medida que os esforços em atingir os objetivos avançam, o cenário vai se alterando. Em caso de pandemia, você joga todos os planos pela janela e refaz todo planejamento. É o mais sensato a fazer já que ninguém previu esse cenário. O contexto externo nunca será o mesmo, porque tudo o que compõe o ambiente também muda. Heráclito já disse que não se pode entrar duas vezes no mesmo rio, porque o rio nunca é o mesmo uma vez que as águas que passaram jamais voltarão na mesma forma no mesmo rio. 

Deixando a filosofia de lado, a terceira habilidade é bem concreta: a falta de comunicação é o combustível da incerteza. Ambientes que demandam trabalho em grupo, não podem deixar dúvidas no ar. As pessoas precisam saber o que está acontecendo, quais são os talentos individuais de cada um, quais são os planos futuro, quais são os cenários possíveis, quais são os recursos disponíveis, enfim, precisam de um ambiente de informação aberta para gerar confiança. 

Uma vez ouvi um grande executivo da área da comunicação dizer com uma entonação bastante segura na voz que “A internet veio para ficar!”. Uma frase muito verdadeira. O problema é que isso foi em 2011. A revelação tardia não significa atraso na grande corrida competitiva da economia digital, desde que a gente faça parte da transformação. Porém suas ações como dirigente de uma empresa do ramo da comunicação nunca demonstraram a mesma segurança da sua voz. Não adianta ter certeza se nem você acredita no que está dizendo. É muito melhor ficar de bem com as suas dúvidas, para conseguir atrair pessoas que vão ajudar a percorrer um caminho mais seguro e estável nesse futuro cada vez mais incerto.