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A Folha perde ao retirar seu conteúdo do Facebook.

A notícia rodou o mundo inteiro. Após a decisão de alterar o algoritmo para valorizar mais as interações pessoais entre os usuários, muitos veículos de comunicação ficaram com vontade de fazer o que a Folha de SP decidiu logo após o comunicado do Mark Zuckerberg. A Bloomberg noticiou o fato como sendo o primeiro grande portal a bater de frente com o Facebook. Até o momento em que escrevo este artigo, a Folha foi o único que manifestou publicamente a retirada do conteúdo da plataforma social.

Respeito a soberania da empresa em definir sua estratégia e tomar as decisões que entendem serem as melhores para o futuro do negócio. A questão é: o que um publisher ganha e perde ao retirar seu conteúdo do Facebook?

É importante ressaltar que eu não sou advogado do Facebook ou de qualquer outra plataforma social. Nem tenho ações da empresa justificando uma defesa. Convivo há bastante tempo com os dilemas da transformação digital em veículos de comunicação. Minha visão pessoal é que a Folha se precipitou neste caso.

Desde o princípio, o Facebook deixou bem claro que não estava neste mercado para fazer caridade. O algoritmo foi alterado muitas vezes ao longo dos últimos anos para reduzir o alcance orgânico, obrigando marcas e publishers a pagar para aumentar o seu alcance no plataforma.

A minha surpresa neste episódio é que os veículos ficaram surpresos. Como eles não sabiam que isso iria acontecer novamente?

Uma das justificativas da Folha para a retirada do conteúdo foram as notícias falsas disseminadas durante as eleições americanas de 2016 no Facebook (E também no Twitter). Sinceramente achei que as notícias falsas impulsionada por perfis fakes de ambos lados, na época da disputa Dilma vs Aécio, já deveriam ter sido suficiente para esta decisão em prol do bom jornalismo. Mas eu entendo não sair do Facebook em 2014. Afinal o tráfego que o Face gerava naquela época era bem maior do que hoje.

Todo publisher que confia seu tráfego majoritariamente no Facebook (ou em qualquer outra rede social) está condenado. Um dos exemplos mais icônicos disso é o portal Upworthy. Logo que surgiu, apresentando um crescimento fora dos padrões, com uma estratégia totalmente baseada em clickbait, grandes portais e veículos tradicionais começaram a copiar a forma que eles construíram os títulos para gerar tráfego e compartilhamento em redes sociais. Essa estratégia de growth hacking não durou muito tempo. Hoje o Upworthy é um mero coadjuvante no mundo das notícias sensacionalistas. Moral da história: Quando aposta no clickbait, você gera tráfego mas não constrói uma audiência.

Esteja presente onde sua audiência está.

Retirar o conteúdo de uma rede social significa ignorar um canal de distribuição. Segundo a Naytev, empresa especialista em análise de conteúdo, cerca de 80% do impacto do Buzzfeed acontece fora do seu site, em rede sociais, chat apps, parceiros de conteúdo e aplicativos próprios. O comportamento dos usuários na web é cada vez mais diverso e personalizado. Os vencedores desse jogo da transformação digital serão aqueles que souberem dimensionar os seus recursos para distribuir o seu produto na maior quantidade de canais. Um exemplo disso é a transformação do e-commerce em marketplace. Em um momento onde o grande produto dos veículos digitais são os projetos de branded content, atingir o maior volume de audiência é algo estratégico para gerar valor.

Qual é o prejuízo financeiro em sair do Facebook?

Segundo o Similarweb.com, que é a fonte mais confiável para mensurar o tráfego de propriedades digitais, o tráfego proveniente de redes sociais da Folha é de 11,95%. Sendo que, deste montante, 76,14% é do Facebook. O que significa uma queda de aproximadamente 9% no tráfego do Facebook para o site da Folha após a retirada do conteúdo. Em outras palavras, isso significa uma queda de 9% nas impressões de mídia. Abrir mão desse montante de uma fonte de receita é uma atitude bastante corajosa.

Instant Articles.

Eu não saberia dizer se a Folha utilizava os instant articles para exibir suas matérias para o público do Facebook. Mas a verdade é que este produto do Facebook gera uma receita considerável para os publishers que o utilizam. Uma justificativa para não utilizar os instant articles é que os veículos que baseiam suas estratégias de monetização em assinaturas entendem que este produto vai contra o consumo de page views, que ativam o gatilho do paywall. Pessoalmente, eu acredito que as duas estratégias podem conviver em conjunto para monetização.

É preciso diversificar as fontes de tráfego.

Seguindo a premissa de construir uma audiência e não apenas gerar tráfego, os veículos deveriam buscar parceiros que consigam capturar o leitor de notícias com maior valor. Yaron Galai, CEO da Outbrain, escreveu um artigo ótimo que resume esse momento e dá uma visão de futuro com saídas concretas para o publishers. O recado é o seguinte: lembrem-se de como vocês buscavam leitores antes do Facebook existir. Acreditem nas suas origens e na qualidade do produto que vocês fazem, para conectar com a audiência que consome não somente uma notícia, mas toda proposta de valor do seu produto.

O papel dos publishers na transformação digital.

Hoje, os veículos digitais dominam uma grande audiência, controlam dados de seus leitores e têm autoridade sobre o conteúdo num momento em que as marcas buscam se posicionar como publishers. Portanto, é preciso buscar independência de fato, para ter mais domínio sobre os dados da audiência. Use o Facebook a favor da sua proposta de valor. Faça as plataformas gerarem dados e dinheiro para você. Resumindo: para declarar independência é preciso, primeiro, ser independente.

Artigo publicado originalmente no portal Proxxima.com.br