Aproveito a passagem do dia de Nossa Senhora Aparecida, nossa santa negra, para entrar no assunto da igualdade racial. Gostaria de lembrar da responsabilidade do setor empresarial em relação à reparação histórica que todos devemos à população afrodescendente no Brasil.
Vimos nos últimos meses diversas ações de empresas que chamaram para si a responsabilidade no combate ao racismo. Muitas pessoas se perguntaram se empreendedores e líderes empresariais deveriam se envolver nessa questão. Uma vez que a Constituição Brasileira prevê ações afirmativas para benefício de populações marginalizadas, essa função parece ser muito mais atribuída ao Estado do que ao setor empresarial. Aliás, já passaram 10 anos da vigência do Estatuto da Igualdade Racial e pouco foi feito. Portando, sim, as empresas precisam se envolver. E muito!
Vamos voltar um pouquinho às aulas de história para enquadrar esse problema da forma adequada no ambiente dos negócios. Abolição da escravatura foi muito mais um ato em prol da adequação a geopolítica comercial do Brasil em relação à Europa ocidental do que uma questão social. Fomos um dos últimos países a abolir a escravidão. E ao fazer isso, não entregamos terras para subsistência ou acesso à educação para os povos negros. Mantivemos assim os escravos libertos, mas sob controle. Mais ou menos na mesma época, recebemos milhões de imigrantes europeus aos quais entregamos terras e acesso a direitos que os negros não tinham. Ou seja, quem se libertou da escravidão foram os brancos, que ficaram bem na foto para o resto do mundo.
Agora vamos conectar os empresários do passado conosco, os empresários do presente. O Brasil tem hoje mais da metade da população, que segundo IBGE, se autodeclara preta ou parda. Toda essa massa de atuais e potenciais colaboradores das nossas empresas tem origem nesse passado de zero oportunidades iniciais. Como falar em meritocracia quando metade da população parte de um ponto inicial muito inferior aos demais? Meritocracia no Brasil é um mito alimentado por pessoas alienadas ou muito mal intencionadas (para não dizer racistas), que ajuda a perpetuar essa segregação histórica. Agora entendemos porque as fotos de recrutamento de trainees das empresas são tão brancas.
Tenho certeza que muitos gostariam de viver uma sociedade mais igualitária. Só que isso demanda atitude. Dá um certo trabalho. Estamos todos cheios de boas intenções. Aliás, já são mais de 130 anos das melhores intenções, não é mesmo? É muito mais fácil deixar para próxima geração resolver o problema.
Precisamos encarar o fato de que omissão é convivência. O silêncio das lideranças empresariais permite que o racismo siga presente. Quando nos omitimos estamos admitindo que o sistema favorece os brancos e perpetua a opressão sobre uma população marginalizada. Só que isso é contraditório ao discurso desenvolvimentista dos setores empresariais. O que aconteceria se toda essa população tivesse mais oportunidades? Não parece lógico que teríamos um salto de desenvolvimento com uma massa de profissionais mais qualificados? No fim das contas, o grande beneficiado com a igualdade é o Brasil.
Como parar de ser omisso? Acredito que o primeiro passo é ser anti-racista, buscando denunciar o racismo dentro do ecossistema do seu negócio. Um bom exemplo é o YELP que está marcando negócios acusados de comportamentos racistas. Empresas que gerenciam entregas e recomendações de negócios locais, como iFood, Rappi, Ubber Eats, Delivery Center poderiam seguir o exemplo.
Um próximo passo seria simplesmente incentivar, e porque não copiar, ações do seu próprio mercado. Magazine Luiza deu um grande exemplo que gerou um debate nacional sobre o assunto. No mercado da indústria criativa, aproveito o momento para exaltar o programa de estágio da Mighty Hive que está dando oportunidade para negros num ambiente muito elitizado. Tenho certeza que muitos vão preferir trabalhar nestas empresas pelo mesmo salário do que em locais que não promovem a reparação histórica.
O passo mais decisivo é fazer algo de concreto no seu negócio para mudar essa realidade. A sociedade está exigindo atitude de todos os setores. Não somente boas intenções. Deixar para próxima geração significa empurrar o problema para os seus filhos e netos resolverem. É preciso fazer algo, qualquer coisa. Mostre que ninguém perde ao dar oportunidade se o resultado final é um mercado mais desenvolvido. Consulte outras pessoas sobre o que você pode fazer, como líderes de comunidades que lutam e debatem pela igualdade racial. Tenho certeza que eles vão te ajudar a encontrar uma forma que caiba no seu negócio. A hora de começar é agora. O que você e a sua empresa estão fazendo para mudar essa história?