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Pandemia de mudanças nas cidades.

Quantas pessoas você conhece que se mudaram para o interior ou para o litoral durante a pandemia? Ou simplesmente mudaram para outra cidade porque o trabalho remoto não exigia mais a proximidade com o escritório? Eu conheço 4 pessoas que se mudaram temporariamente e uma que foi para o interior de forma permanente. Esse fenômeno tem duas tendências que vêm sendo pauta das discussões de urbanistas, gestores públicos e lideranças empresariais: os nômades digitais e o êxodo urbano. 

Os primeiros são os que aproveitaram o home office para fazer turismo enquanto trabalham ou simplesmente curtir a tranquilidade do interior, longe das aglomerações das metrópoles. Já o êxodo urbano é um conceito mais amplo e duradouro, em contraponto ao êxodo rural, que resultou no crescimento das metrópoles no século passado. 

É claro que estou falando de um grupo específico da população, que pode trabalhar de forma remota. Mas esse grupo específico representa bastante gente. Para se ter uma ideia desse fenômeno, o serviço postal dos EUA registrou mudança de endereço em cidades como Nova York, que perdeu mais de 150 mil habitantes, além de San Francisco, Los Angeles e Chicago perderam entre 26 mil e 31 mil habitantes. Londres sofreu com a pandemia e com o Brexit, que expulsaram mais de 700 mil habitantes de uma das cidades mais caras do mundo. E com toda esta gente, migram seus salários que representam uma parte importante da economia local.

A vacina não muda novos hábitos. 

Muitos imaginaram que a vacinação faria com que as pessoas voltassem aos escritórios. Teoricamente, a segurança de estar protegido faria com que o ambiente de trabalho voltasse ao normal, ao menos em parte. Muito se fala em um modelo híbrido, que por sinal, é cheio de desafios de integração entre equipes. Porém o que estamos vendo não é exatamente assim como se imaginou. 

Todos os dias vemos notícias de empresas que estão optando pelo trabalho remoto permanente. A lista vai desde grandes empresas do Vale do Silício a pequenos escritórios de marketing, contabilidade, advocacia entre outros serviços ou até mesmo trabalhadores de escritório de indústrias que empregam milhões como bebidas e alimentos. 

Recentemente, oferecemos um ambiente físico seguro e com excelente infraestrutura para os colegas que estivessem em condições mais precárias no seu home office. Ou até mesmo para quem quisesse mudar de ares. Resultado: em duas semanas ninguém foi até o local para trabalhar. 

“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio.”

A citação do filósofo grego Heráclito nos ajuda a entender um pouco o que vem por aí nesse novo normal dos escritórios das grandes cidades. Assim, como o rio e a pessoa que entra nas águas mudam o tempo todo, os trabalhadores que passaram quase um ano em casa também mudaram (Eu me incluo nesse grupo). A alteração aconteceu dentro e fora de cada um de nós. Ajeitamos aquele cantinho em casa e adaptamos nossa vida. Reorganizamos nossas rotinas pessoais e com os filhos para seguir tocando a vida longe do convívio do escritório. 

É difícil dizer se teremos um fenômeno que poderia se chamar de êxodo urbano capaz de representar uma total mudança de era nas grandes cidades. Mas as mudanças de comportamento já se manifestam na economia. Nas principais capitais do Brasil, o transporte público teve uma redução de até 50% no fluxo de passageiros. Restaurantes tradicionais fecharam as portas e alguns passaram a produzir somente para tele-entrega. Shoppings estão vazios mesmo em vésperas de datas tradicionais do varejo. 

O resultado parcial desse movimento migratório é o empobrecimento das grandes cidades. Em contraste, o interior vê trabalhadores remotos e seus salários se somarem ao crescimento do agronegócio. 

A oportunidade de replanejar as cidades.

Ainda é cedo para afirmar que o Brasil vive um êxodo urbano. Mas a relação das pessoas com a cidade está mudando para sempre. 

Toda mudança provocada por um agente externo mexe com as nossas zonas de conforto. Não planejamos quase nada dos efeitos provocados por esta pandemia. Mas a verdade é que estamos nos acostumando com novos hábitos. 

As grandes cidades têm agora uma oportunidade rara de discutir a relação com as pessoas. Podemos aproveitar o momento para debater grandes mudanças na mobilidade urbana, na arquitetura de ambientes públicos, no futuro das zonas comerciais e shoppings. São debates e alterações que podem melhorar nossa qualidade de vida nas grandes cidades brasileiras.

Não podemos achar que tudo vai voltar como era antes de março de 2020. É preciso debater as mudanças e adaptar as cidades para um novo momento da humanidade.