O termo “Indústria 4.0” talvez seja o conceito mais repetido nos últimos meses em sites de negócios ao redor do mundo. Estamos em direção a uma nova era de geração de valor baseada na conexão entre sistemas produtivos autônomos, que vai mudar, inclusive, o conceito de indústria como processo de desenvolver e comercializar produtos. As etapas tradicionais, como análise de mercado, concepção, prototipagem e produção podem – e deverão – ser completamente alteradas na sua ordem, com a capacidade de interconexão entre dados, sistema de pagamento e produção sob demanda personalizada para cada indivíduo. É digitalização vertical da cadeia produtiva, do desenvolvimento de produto, da experiência de compra e da comunicação.
No Brasil, percebo que se fala muito, mas se faz pouco para avançar. Talvez porque seja muito grande a distância entre a realidade que temos hoje e o conceito futuro de sistema produtivos inteligentes. Entendo que existe uma etapa anterior que precisa ser superada para começarmos a sonhar com a Indústria 4.0 no Brasil. É a etapa da transformação digital. A digitalização dos negócios tem como premissa eliminar intermediários e acelerar processos. Ainda vivemos numa realidade extremamente analógica e linear. Uma realidade cheia de intermediários e processos burocráticos.
Nos últimos anos tenho acompanhado o desafio e o esforço de diversos líderes de empresas em digitalizar seus negócios. Compartilhamos artigos e literatura e discutimos sobre como alcançar este Santo Graal que é a Indústria 4.0. Notei que existe alguns padrões de modelo mental e de atitudes em comum entre aqueles que estão conseguindo evoluir nessa digitalização.
É preciso sujar as mãos.
Para os empreendedores da era digital, cargos são obsoletos como títulos de nobreza da idade média. Você não vai ser respeitado só porque ostenta o cargo CEO, CMO, vice-presidente, diretor executivo ou qualquer outra condecoração listada no seu perfil do LinkedIn. Está cada vez mais fácil o acesso aos meios para desenvolver um negócio 100% digital. Se você não buscar conhecimento e contribuir de fato no dia a dia da digitalização da sua empresa, um empreendedor vai surgir entre seus funcionários e vai desenvolver o seu próximo concorrente.
É fundamental, não somente ouvir, mas considerar as visões ideias de todo colaborador que busca digitalizar algum processo ou experiência dentro da organização. Isso vai muito além da caixinha de sugestões. Geralmente são debates longos onde é preciso estar preparado para terminar a conversa com diversas anotações para buscar mais conhecimento e informação. Estamos falando da transformação radical de toda cadeia produtiva e desenvolvimento de produtos e serviços. Logo, isso precisa estar nas mãos dos líderes das corporações, de ponta a ponta, pegando junto de forma realmente empreendedora.
Uma frase clássica de Martin Luther King que resume este dilema: “(…) muitas pessoas se vêem vivendo em meio a um grande período de mudança social e, no entanto, não desenvolvem as novas atitudes, as novas respostas mentais que a nova situação exige. Eles acabam dormindo durante a revolução.”. Portanto, não durma e não espere acontecer pelas mãos de outros.
Esqueça os seus concorrentes.
Talvez este seja o maior desafio de todos para proporcionar uma transformação de impacto. Estamos no meio de uma revolução onde negócios tradicionais estão sendo ultrapassados por novas formas de entender todo o conjunto de fatores que gera riqueza. Muitas vezes o grande desafio é descobrir qual é o novo negócio da sua empresa.
Para usar um exemplo clássico, a Uber vale mais do que grandes montadoras. São formas completamente diferentes de gerar valor com o mesmo negócio de transportar as pessoas de um lado para o outro. Muito se fala que as startups mais valiosas são aquelas que encaram de forma mais adequada o desafio de resolver um problema ou facilitar a vida dos usuários. A maioria dessas grandes ideias não surgem de modelos convencionais na relação entre produtos e serviços oferecidos em troca do dinheiro das pessoas.
Parafraseando o fundador do PayPal, Peter Thiel, “Competir é para perdedores”, pois quanto mais você compete, mais você fica parecido todo o resto. Ou pior: você estará sempre um passo atrás tentando acompanhar. Portanto tente não se comparar tanto com seus concorrentes. Esqueça o que eles estão fazendo, ou como eles estão fazendo, para buscar a própria transformação. Provavelmente este é o primeiro passo para criar algo genuinamente disruptivo no seu segmento.
O marketing é um produto.
Nos modelos de negócios digitais o consumidor passa a ser um usuário, não só um comprador ou cliente. A digitalização permite acumular uma audiência “acionável” através de tecnologias que vão desde o tradicional CRM, aplicativos e até a internet das coisas em produtos conectados. A empresa que detém controle sobre uma audiência é capaz de acionar sistema produtivos baseados em dados.
Outra grande mudança de paradigma em relação a digitalização dos negócios diz respeito à forma como as empresas as marcas comunicam com seus consumidores. A publicidade deu lugar ao conteúdo, que por sua vez, tem como objetivo buscar autoridade e relevância sobre um determinado assunto. Dessa forma, o conteúdo como a base do marketing, também passa a ser um agregador de audiência.
É um ciclo que se retroalimenta o tempo inteiro: a experiência de marca e a experiência de compra se tornam praticamente a mesma coisa em determinados momentos. Isso provoca um efeito espiral onde, quanto mais digitalizada é uma empresa, mais o marketing gera novos produtos através de suas próprias ações.
Um exemplo recente é a iniciativa do Grupo Pão de Açúcar com aplicativo Pão de Açúcar Mais. Depois de agregar uma audiência considerável através do aplicativo e reunir dados de consumo dos seus clientes, o Grupo Pão de Açúcar abriu o aplicativo para os bancos. Clientes do Itaú poderão fazer os pagamentos das compras através do aplicativo. Fica a pergunta no ar: o app é uma ação de marketing de relacionamento ou produto? Entendo que são as duas coisas.
Existem muitos outros pontos que podem ser relacionados como fundamentais para transformar um negócio para a era digital, baseada em dados, automação e inteligência artificial. Mas listei aqui o que eu acredito ser o começo de uma nova cultura que precisa ser implementada nas empresas. Podemos falar sobre aquisições, sobre incubação de startups, sobre parcerias estratégicas, compartilhamento de audiências, etc. O que nós não podemos é dormir durante a revolução.
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