Outro dia estava escutando essas entrevistas coletivas que acontecem depois dos jogos de futebol onde os técnicos ficam explicando para os jornalistas por que não colocaram aquele ou este jogador em campo. Num determinado momento, o treinador do time respondeu que um jogador não tinha sido escolhido porque estava com falta de confiança. “Ele precisa acreditar mais no seu potencial” disse o técnico. Fiquei intrigado com a resposta pensando se os jogadores de futebol também podem sofrer da Síndrome do Impostor.
Resolvi pesquisar mais sobre o assunto para poder escrever sobre isso aqui neste espaço. Para quem desconhece esse termo, a síndrome do impostor é uma condição ligada à autoestima das pessoas que acreditam serem menos capazes do que realmente são. Ou para quem quer uma explicação mais simples: é um problema que faz as pessoas não confiarem no próprio taco. Para quem prefere a normalização da Wikipédia “A síndrome do impostor, fenômeno do impostor ou síndrome da fraude, é um fenômeno pelo qual pessoas capacitadas sofrem de uma inferioridade ilusória, achando que não são tão capacitados assim e subestimando as próprias habilidades, chegando a acreditar que outros indivíduos menos capazes também são tão ou mais capazes do que eles.”. Repare que a definição fala em inferioridade ilusória. Significa que isso afeta a autoimagem de quem sofre desse problema. Deixo aqui um artigo que explica de forma bem clara e simples.
Esse assunto já vem sendo debatido há alguns anos, sendo que a primeira publicação que encontrei foi The Impostor Phenomenon Among High Achieving Women por Pauline Clance and Suzanne Imes (1978) aqui em PDF para você aprofundar. Pesquisando um pouco mais, descobri que a síndrome do impostor tem duas origens: internas ou externas. O podcast Naruhodo, como sempre, traz uma explicação bem detalhada sobre o assunto. A origem interna tem relação com os primeiros anos de vida, ou seja, são originados no relacionamento com os pais. Geralmente, país excessivamente exigentes podem ser uma das origens. Nesse caso eu terei que me abster de abordar as origens internas, uma vez que não sou especialista em psicoterapia. O meu assunto aqui é a origem externa.
No título do ensaio da Pauline Clance e da Suzanne Imes, já percebemos que o estudo foca em um grupo específico de pessoas, que são as mulheres. Elas, segundo as autoras, são mais afetadas do que os homens pelos fatores internos e externos que causam a síndrome do impostor. Tudo porque a sociedade ocidental, que propaga a igualdade entre homens e mulheres, mas que tem uma mentalidade direcionada a desconfiar da capacidade das mulheres em realizar projetos e tarefas tidas como mais complexas. Dessa forma, a sociedade acaba cobrando mais provas de capacidade das mulheres do que dos homens. Não precisa ser um gênio da dedução para expandir esse comportamento para todos os grupos sociais minoritários. Quem não é homem branco precisa provar que tem capacidade de assumir o lugar tradicionalmente ocupado por estes na sociedade, como cargos de liderança, cargos políticos e outras posições de poder e influência.
O efeito da síndrome do impostor no ambiente de trabalho tem uma série de implicâncias prejudiciais ao desempenho:
1. Esforço exagerado
2. Autodepreciação
3. Medo de exposição
4. Procrastinação
5. Autossabotagem
Não é difícil chegar à conclusão de que pessoas que não se valorizam, que desconfiam da própria capacidade, são menos produtivas. Profissionais que não acreditam nas próprias ideias e no seu poder de realização acabam não se desenvolvendo ao longo do tempo, afetando o crescimento pessoal e profissional.
Os gestores são fatores externos potenciais para profissionais desenvolverem a síndrome do impostor. Uma liderança incapaz de fazer com que cada profissional tenha consciência das suas qualidades e das suas deficiências provoca insegurança nas pessoas que podem, eventualmente, desenvolverem uma autoimagem ilusória negativa. Na verdade, são simplesmente maus gestores.
Existem muitas formas de um gestor provocar insegurança nos profissionais da sua equipe. Não dar feedbacks claros e construtivos. Não valorizar e aproveitar as habilidades individuais. Não ouvir as ideias do time com uma escuta ativa. Duvidar dos argumentos mesmo quando baseados em dados e evidências. Microgerenciar tarefas simples. Controlar e corrigir excessivamente detalhes que não alteram o resultado final. Fazer o trabalho das pessoas ao invés de orientá-las (o que contribui para a desconfiança na capacidade da equipe). Você já teve experiência de trabalhar com lideranças que não valorizam particular ou publicamente realizações suas ou de toda equipe? Se se você se identificou com estas situações, então, provavelmente, você deve ter desconfiado da sua capacidade individual em algum momento. Lideranças verdadeiras evitam estas situações, pois entendem que devem atuar como catalisadores da segurança e confiança do time.
Esse é um bom lugar para avisar que o papel de liderança que é capaz de formar times confiantes e produtivos não é nada fácil. Exige muito autoconhecimento, humildade e empatia para compreender que as pessoas são o fator mais importante, pois são elas que vão gerar o resultado que o gestor precisa entregar. Se este não é capaz de formar um time confiante e lúcido sobre suas reais capacidades, muito provavelmente não irá entregar o resultado esperado pela empresa.
O antídoto para a síndrome do impostor não é a motivação pela motivação. A ilusão positiva sobre as capacidades das pessoas é tão nociva para os objetivos do que a ilusão negativa. O contrário da síndrome do impostor, que é o excesso de confiança em algo que não temos real capacidade, é conhecido como Efeito Dunning-Kruger (um dia vou abordar esse assunto aqui). A motivação vazia não é construtiva já que o sujeito não evolui suas capacidades de forma real, apenas imaginária.
Para os que receberam a incumbência de liderar uma equipe ou que tem a ambição de ser um gestor, eu posso dizer que é fundamental desenvolver o potencial individual das pessoas de forma clara, fazendo uma leitura das qualidades e defeitos baseados em evidências, fatos e dados. Parece simples. Mas não é para todos. Só começa a ficar mais fácil quando encaramos o fato de que as pessoas estão acima das suas ambições pessoais. Na sua pauta de prioridades, as pessoas devem estar antes do resultado, porque são elas que vão cumprir com os objetivos pelos quais você é o responsável.
Para os profissionais que já desconfiaram da sua capacidade, sugiro que avaliem bem a origem dessa desconfiança. Suas ideias são ouvidas da mesma forma do que dos seus colegas? Suas realizações são equivalentes, mas você não recebe o mesmo crédito que os demais? Você se sente microgerenciado em detalhes e não gerenciado em relação à estratégia? Se a resposta, for “sim”, talvez o problema não seja o seu desempenho, mas quem está medindo e avaliando.