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A liderança efêmera.

Liderança é um conceito tradicionalmente associado à chefia, ascendência, hierarquia e autoridade. São termos bastante usados para definir relações de poder. Historicamente, quem detinha o poder era quem dominava os recursos para produção e informações privilegiadas. Consequentemente, era o líder de grandes grupos de pessoas. Nos dias de hoje, os recursos são abundantes e a informação disponível a todos. Por isso, a noção de poder se dispersou e temos inúmeros casos de disrupção em diversos segmentos de mercado por conta do acesso aos recursos abundantes e a informação facilmente disponível. A digitalização da economia e das relações é o grande vetor dessa descentralização do poder e da liderança. – Recomendo a leitura de O Fim do Poder, escrito por Moises Naím. – Vivemos em um momento transformação na relação entre pessoas e empresas. Saímos de um modelo vertical para um modelo de colaboração em rede entre pessoas e empresas. Isso naturalmente transformou a distribuição de poder e consequentemente o modelo de liderança que estávamos acostumados.

Novas relações de poder demandam novos líderes? Sim e não. Porque no modelo descentralizado de poder todos têm espaço para liderar em algum momento. Inclusive as lideranças tradicionais. As pessoas seguem aqueles que são capazes de mobilizar sob algum propósito que faça sentido para elas. (Comentei bastante sobre isso neste artigo). E é aí que começa a grande quebra de paradigma da liderança no momento em que vivemos. Acabou a era do grande líder, detentor de todas as respostas. 

As pessoas não estão mais seguindo outras pessoas somente baseadas no cargo, no currículo, no título acadêmico ou na patente. Primeiro, porque as lideranças se multiplicaram em diversas frentes de todos os tipos, que se conectam com o propósito de vida das pessoas. Seguimos diversos líderes, cada qual com a sua jornada. E, em segundo lugar, porque cargos, títulos ou extensos currículos ficaram menos escassos, ou seja, mais fáceis de obter. Estes já não conferem mais o mesmo grau de superioridade (mesmo que aparente) de antes.

Uma das atividades que mais me dão prazer é entrevistar pessoas para formar times. Aprendo muito sobre o momento dos ambientes corporativos durante as entrevistas. Em tantas conversas com talentos oriundos de empresas de diversos tamanhos, descobri que a gestão horizontal, que é tão citada como grande objetivo de gestão, é uma grande conversa fiada na maioria das empresas. Já ouvi incontáveis relatos de que de ainda existe muito chefe que faz de conta que pega junto para passar a impressão de que valoriza gestão horizontal. Mas em algum momento, por algum motivo qualquer, perde a paciência e puxa o seu crachá de chefe para cagar ordens. 

O desafio é liderar sem o cargo de chefe? A resposta não é tão simples. O crachá não desaparece diante dos olhos dos colaboradores assim tão fácil. Mas acredito que esse é um bom parâmetro para saber se o estilo de liderança está atualizado com os novos tempos de poder descentralizado. 

Quantas vezes você percebeu que alguém estava engajado, se dedicando ao que você acredita, ocupando algum tempo da vida para realizar algo que você empreendeu sem que tivesse a mínima obrigação? Provavelmente começou e terminou exatamente no mesmo tempo em que durou a conexão entre o propósito do seu projeto e o das pessoas envolvidas. Liderança se tornou algo muito mais relacionado ao encontro de visões e engajamento sobre um objetivo em comum do que simples hierarquia.

Vivemos uma era de liderança efêmera. Talvez seja por isso que o turnover nas empresas se acelerou tanto nos últimos anos. O próprio modelo de trabalho vem se adaptando a esse novo modelo de gestão em rede. Plataformas de freelancers crescem cada vez mais e a gig economy segue como modelo para empresas exponenciais.

Os gestores de hoje têm um grande desafio de desenvolver ambientes onde as lideranças se alternam e variam conforme o momento. Horizontalidade não significa ausência de liderança. Mas liderar e ser liderado sem olhar para cima ou para baixo no organograma.